domingo, 26 de abril de 2009

De Maio para Abril…

Não se inscreve o título no quadro popular sarcástico que a expressão promete. A verdade é que a conjuntura e a oportunidade das celebrações que correm, primeiro o 25 de Abril, depois o 1º de Maio, fazem com que olhemos para trás para encontrar soluções de progresso, de justiça social e de valorização do Homem e da Liberdade. O ciclo eleitoral que se aproxima, e cuja marcha já se iniciou, anestesia os princípios democráticos, subverte intenções e beatifica indivíduos que se refugiam no discurso da vítima para ocultar o anátema dos seus exercícios. Quanta semelhança encontramos, do poder central ao poder local, e até de género, na opulência discursiva que abusa da liberdade alheia, da tolerância colectiva, para alimentar a sagaz vontade de perpetuar poder. Vejam-se os discursos comemorativos do 25 de Abril, em particular no concelho de Caminha, recheados de propaganda eleitoral, canalizados para o apoio individualizado, num claro sinal de apropriação de uma data que deveria servir para a homenagem colectiva, para reafirmar o papel das diferentes instituições democráticas, e, acima de tudo, para fazer o balanço entre o que Abril prometeu e o quanto nos temos afastado dessas promessas. Rectifico, o que nos têm afastado do trilho da criação de uma sociedade mais igual, mais homogénea, onde possa cada um aceder, por direito, aos instrumentos que necessita para satisfazer as suas necessidades, no respeito pelas suas capacidades. Não! Preferem continuamente apelar à caridade na colmatação das lacunas e fragilidades de uma cada vez maior parte da população, mantêm a marca estigmatizante do “pobre” que se deve perpetuar para tão “justamente(!)” justificar a existência do “rico”, mesmo que sem enquadramento nessa pretensa classe, procurando por diversas formas, alicerçadas tantas vezes no medo que a acção persecutória nos locais de trabalho e na vida social, e nos movimentos associativos em particular, garantir a manutenção desse estado de graça, entre a desgraça dos outros. Mas mais grave ainda, no quente manto que a paga pública garante. Basta uma atenção ao número da classe política que vai preenchendo os espaços municipais – assessores, adjuntos, apoiantes destemidos cuja vassalagem garante maior controlo sobre quem apoia quem, quem está contra quem, quem deve ser alvo da tirania do poder. Basta atender à égide governativa para igualmente se sentir que pagamos a quem nos insulta, a quem dá de brinde o nosso trabalho e é indiferente ao sofrimento dos outros. Ensurdecem-nos com os milhões de investimento sem que dos cêntimos se veja a cara. Não percebem que o povo quer trabalho e liberdade, e que a última depende do primeiro, e o primeiro não é produtivo sem a segunda. Mas na senda do falso progresso, mesmo quando o modelo capitalista foi claramente considerado falido, vendem ao pregão que são exímios arautos da administração dos bens públicos, escondendo as vezes sem conta que socorrem os amigos do costume, os autocratas do capital, mais presos ao vocábulo “patrão” que ao de “empresário” responsável, desapoiando os trabalhadores e os micro, pequenos e médios empresários. E uma vez mais na almofada que a democracia permite e legitima nos actos eleitorais. Mas percebendo que desses actos se corre o risco de exclusão, promovem o alheamento do povo, o desinteresse face à pronúncia popular, disseminando essa mensagem, para que, fruto da insistência, se convença o mesmo povo de que resta apenas apoiar os de sempre. Abril deu-nos precisamente o contrário. Garantiu-nos a oportunidade de alterar o modelo de desenvolvimento local e nacional, e isso ninguém nos poderá tirar, mesmo que de medo preencham o nosso dia-a-dia. Ninguém poderá exigir que congreguemos a nossa vontade e o nosso ideal em forças políticas que ano após ano fazem o tempo andar para trás, impedindo que de Abril se chegue a Maio, e garantindo o título desta dissertação. Não se sustenham na crise, nem na serena e imodesta palavra do chefe de estado. Os consensos são necessários mas para romper com as políticas seguidas que já deram mostra de invalidez. Lembremos as palavras de levantamento de Salgueiro Maia: "Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas, os estados corporativos e o estado a que isto chegou!”. Nunca estas palavras estiveram tão presentes na história recente do nosso país como agora. No governo e nos municípios transpira-se o medo de perder poder para que não haja porventura capacidade de averiguar desse estado. Mas o princípio democrático de exercício público aponta precisamente para o contrário. Ministros e Presidentes de Câmara deveriam estar sempre preparados para abandonar o poder, garantindo à sua saída contas públicas em ordem e que não comprometam os sucessores. Mas não, o carreirismo com que alguns exercem o poder demonstra o contrário, revela que o importante é manter uma vida activa em torno do poder para no final, em período de retirada, se refugiarem numa aposentação choruda, semeada pelo erário público. Por isso todas as ocasiões são importantes para as suas campanhas, todos os momentos são profícuos em apelos ao voto. Não que com esta análise se entenda qualquer obrigação de destituir quem faz bem, mas que se penalize quem na verdade não é merecedor da confiança popular. E essa confiança deve ser alimentada pelo respeito que garantem às pessoas, pelo apoio ao crescimento cultural e económico subjacente ao Homem. É neste cariz que devemos também afirmar a condição de trabalhadores neste 1º de Maio, quer estejamos numa situação activa regular, quer nos encontremos numa precária condição laboral, quer mesmo na infeliz posição de desempregado. Devemos afirmar à viva voz que da classe política se espera mão firme na defesa dos trabalhadores, e não no apoio desmesurado ao patronato que vê aí novas oportunidades de melhorar a sua condição e promover despedimentos avulsos e colectivos. Não devemos esperar do poder político palavras mansas, de beata misericórdia e resignação para a classe trabalhadora, mas sim uma firma tónica que lembre o contributo dos trabalhadores na criação de riqueza. Devemos exigir que os dirigentes políticos contrariem esta tendência de "trabalhadores descartáveis” que cada vez mais se vê nos dias que correm. Na função pública, que se deparou com terríveis ofensivas nos últimos anos, que haja a força suficiente para gritar alto que a cada sector atacado sejam igualmente “despedidos” todos os adidos, funcionários políticos e outros amigos que se sustentam às custas do erário público enquanto os seus amigos estão no do poder.
Mas a crise, a eterna crise virá ao de cima neste dia do trabalhador. Não esperemos da direita e dos seus amigos do PS, mais do que lamúrias e resignação. Mas a eles deve responder-se, firme e convictamente, que a crise, a crise que a pague quem a fez; não foram com certeza os trabalhadores, e em particular os trabalhadores portuguesas, em Portugal ou no estrangeiro, ou os trabalhadores que no nosso país doam a sua capacidade e o seu contributo para o desenvolvimento económico. Quem fez a crise foram os avarentos destemidos do capital, cada um mais sôfrego que o outro, e não merecem de nós qualquer apoio que ultrapasse a manutenção de condições elementares de vida, algo que deve ser garantido a qualquer cidadão, mesmo que eles assim não o julguem.
Parecerá discurso de outros tempos, mas se é para trás que caminhamos, recordemos e perpetuemos: “Trabalhadores do mundo, uni-vos!”
Viva o 25 de Abril!Viva o 1º de Maio!