quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Da tomada de posse aos órgãos municipais


No tropeço dos apupos ouvidos na tomada de posse ficou o registo de um novo estilo de governação, assim defendido e promovido, que pode, na verdade, esconder uma continuidade, um exercício, afinal, pouco inovador, cujo traço se faz no matiz monocromático do executivo decidido pelo voto. Hesitei em fazer eco público desta minha inquietação, certo de que, por ter sido cabeça de lista pela CDU à Câmara Municipal de Caminha, não me competia, em tão curto espaço, ajuizar em sentido contrário à mudança que se impunha, e que sempre defendi em campanha eleitoral. No entanto, esta não foi a mudança por mim desejada, mas penas parte dela, logo impõe-se desde já o acompanhamento, procurando oportunamente evitar que tiques iguais se perpetuem no concelho de Caminha.

Se de facto, segundo parece, o episódio das vaias é o mais marcante do ato solene da tomada de posse dos órgãos municipais, é, em minha opinião, impróprio, mais até porque deveria ter merecido outra atitude dos recém-empossados, regulando as intervenções populares, que por mais justas, no âmbito do sentimento pessoal e coletivo, não se devem sobrepor às formalidades democráticas que nos regem. Mas na minha análise a promoção desta situação apenas serve para esconder outras verdades, bem mais preocupantes, que nessa assembleia se verificaram. A primeira prende-se com a condução dos trabalhos, e a segunda com os discursos ouvidos. Na verdade, nas palavras do novo presidente da Assembleia Municipal, será garantida, neste mandato, a afirmação da democracia, medida na capacidade de dar voz a todos os quadrantes políticos, de forma igual, sem restrições de pensamento, estimulando o debate político. Pois verificou-se que não foi dada voz aos representantes de cada uma das forças eleitas, restringindo-se as intervenções, sobrando apenas espaço para ouvir as vozes dos novos presidentes da Assembleia e Câmara Municipal de Caminha, ambos do partido socialista. Um pormenor, poderão pensar, mas que faz desde logo afastar as palavras das práticas, o que em política tem um significado extenso e permeável ao pensamento crítico.

Mas se esta questão é acessória que dizer do discurso do novo presidente da Câmara Municipal, de quem se esperava menos neste acto, mas que, por querer mais, lança sérias preocupações sobre o futuro da gestão política municipal. Ao anunciar a criação de um novo órgão, o da provedoria do munícipe, dá um sinal claro de que o esperado encerramento de um ciclo de relação musculada entre a câmara e os munícipes não se irá, para já, verificar, caso contrário para quê esta urgência? Para quê este destaque a esta medida? Será esta a prioridade deste novo executivo? Um executivo que se afirma dialogante poderia até ter esta intenção, mas nunca com a urgência e o relevo verificado. Mas mais grave, assim entendo, foi o anúncio nominal. Ora entendamos esta afirmação por partes. Em primeiro lugar a idoneidade do anunciado não será por mim questionada de forma alguma, e não está sequer em causa na análise meramente política que aqui deixo para reflexão. Em segundo lugar, por força do voto, dos sete membros da Câmara Municipal, o PS detém 4 elementos e o PSD, 3. Assim, anunciar que irá propor à Câmara a nomeação de uma pessoa em concreto, significa que a pessoa está já escolhida por decisão pessoal do atual presidente da Câmara. Em terceiro lugar, trata-se da criação de um órgão novo no município de Caminha, logo, no mínimo, deverá ser submetida à apreciação e ratificação da Assembleia Municipal. Em quarto lugar, escolher o momento em que a nova Assembleia Municipal se constitui, e sendo no seu espaço de ação que se desenrola a tomada de posse, parece-me haver uma sobreposição de poderes, ou imposição da vontade do executivo sobre a Assembleia Municipal, o órgão máximo do município. O correto, penso, seria nem sequer haver esse anúncio no momento em que tal foi feito e, tratando-se de alguém que deverá ser a voz da defesa os munícipes, de idoneidade inquestionável, deveria competir à Assembleia Municipal apreciar um conjunto de nomes e decidir, por eleição, a quem deverá caber a ocupação de um lugar de tão nobre e forte presença no município. É que os eleitos municipais foram escolhidos precisamente para representar os munícipes, logo devem ser eles a decidir em quem delegam a função de mediar conflitos com o executivo, porque o atendimento em qualidade já está protegido pelo procedimento administrativo que confere ao cidadão a capacidade de reclamar em documento próprio, o famoso livro de reclamações. Trata-se então de uma mediação política, cuja imposição nominal afasta a decisão daqueles que, no quadro político, integram a Assembleia Municipal.

Este erro, ou novo estilo de ação, prova que afinal poderá haver no concelho de Caminha o contínuo decisor individual, que se impõe pela maioria que o povo decidiu, por acreditar que seria no diálogo, na discussão de ideias e projetos, no aprofundamento partilhado das decisões, que o novo executivo governaria o concelho.

É pena este começo, é pesado demais ter que encontrar espaço para preocupação, é politicamente estranho que após tanto diálogo prometido se tome uma decisão tão séria e influente sem que tenham sido ouvidas as apelidadas forças vivas o concelho, nem os eleitos municipais.
Quero estar errado em toda esta análise, mas as evidências contrariam a minha vontade.


Joaquim Celestino  Ribeiro | CDU - Coligação Democrática Unitária | Caminha

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